Supremo reafirma obrigatoriedade de precatório integral para valores alimentares de idosos, pessoas com deficiência e portadores de doenças graves acima do limite legal
Brasília, 5 de junho de 2025 — O Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou importante controvérsia constitucional ao decidir, por unanimidade, que é inconstitucional o fracionamento de créditos superpreferenciais para pagamento parcial via Requisição de Pequeno Valor (RPV) quando o valor total ultrapassa o limite legal previsto. A decisão foi proferida no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.326.178/SC, com repercussão geral reconhecida sob o Tema 1.156, relatado pelo Ministro Cristiano Zanin.
O pronunciamento da Corte impõe limites à prática, até então admitida por algumas decisões judiciais de instâncias inferiores, de dividir créditos de natureza alimentar devidos a credores superpreferenciais — como idosos, pessoas com deficiência ou com doenças graves — permitindo o pagamento de uma parte por meio de RPV (cujo valor máximo é definido por lei ordinária) e o restante por precatório.
Com a tese fixada, o STF consolidou o entendimento de que o pagamento de créditos superpreferenciais deve seguir uma única via: RPV, se o valor total for igual ou inferior ao limite legal, ou precatório, se excedê-lo, vedando a mescla das modalidades. A medida busca assegurar a integridade do regime constitucional de precatórios e evitar fraudes ou distorções que comprometam a programação orçamentária dos entes públicos.
Entendendo os créditos superpreferenciais e o regime constitucional de pagamento
O artigo 100 da Constituição Federal estabelece que os débitos da Fazenda Pública reconhecidos judicialmente devem ser pagos por precatório — mecanismo que garante a previsibilidade e organização das finanças públicas — exceto quando o valor for enquadrado como de pequeno valor, hipótese em que se admite a RPV.
O § 2º do artigo 100, introduzido pela Emenda Constitucional nº 62/2009, criou a categoria de “créditos superpreferenciais”, que garante prioridade no pagamento de créditos alimentares (como salários, pensões e aposentadorias) a pessoas com 60 anos ou mais, com deficiência ou doenças graves, até o triplo do limite de RPV fixado por lei. O restante do valor, se houver, segue o trâmite ordinário dos precatórios.
No entanto, o § 8º da mesma norma constitucional veda expressamente o fracionamento do valor da execução com a finalidade de enquadrar parte dele como RPV — dispositivo que vinha sendo flexibilizado por alguns tribunais.
A decisão do STF reafirma essa vedação e alerta que permitir tal prática representa uma distorção do modelo constitucional, violando os princípios da legalidade, da moralidade administrativa e da igualdade entre credores da Administração Pública.
O caso concreto: fracionamento autorizado pelo TRF-4
O caso teve origem em decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que autorizou o pagamento parcial de crédito superpreferencial — até o limite de 180 salários-mínimos — por meio de RPV, deixando o valor excedente para futura quitação via precatório. A União recorreu ao STF, argumentando que o fracionamento ofende os preceitos constitucionais que regem o sistema de precatórios.
Ao analisar o recurso, o relator, Ministro Cristiano Zanin, votou pelo provimento e foi acompanhado por unanimidade pelos demais ministros da Corte. Em seu voto, Zanin destacou que, embora o intuito de priorizar credores em situação de vulnerabilidade seja legítimo, não se pode permitir soluções que afrontem a Constituição sob pretexto de agilizar pagamentos.
Tese firmada pelo STF (Tema 1.156):
“O pagamento de crédito superpreferencial (art. 100, § 2º, da CF/1988) deve ser realizado por meio de precatório, exceto se o valor a ser adimplido encontrar-se dentro do limite estabelecido por lei como pequeno valor.”
Com isso, a Corte estabeleceu jurisprudência vinculante para todo o Judiciário, aplicável a milhares de processos semelhantes em trâmite, especialmente nas Justiças Federal e Estaduais, onde a prática do fracionamento vinha sendo tolerada em determinadas circunstâncias.
Implicações práticas: segurança jurídica e impacto orçamentário
A decisão do STF tem consequências diretas sobre a execução de sentenças contra a Fazenda Pública. A proibição do fracionamento fortalece o regime de controle de gastos públicos, garantindo que as previsões orçamentárias sejam feitas com base em valores integrais e no fluxo constitucional de pagamentos.
Além disso, a uniformização do entendimento reforça a segurança jurídica tanto para os entes públicos quanto para os beneficiários dos créditos, ao esclarecer que a via do precatório não pode ser burlada por meios processuais criativos.
Segundo o STF, a utilização da RPV deve ser excepcional e restrita aos casos estritamente compatíveis com os parâmetros legais, evitando que a sua banalização comprometa a lógica do sistema de controle fiscal do Estado.
ODS 16 e efetividade dos direitos fundamentais
Ao decidir a controvérsia, o STF também contribui para os objetivos da Agenda 2030 da ONU, especialmente o ODS 16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes. A Corte demonstra compromisso com a eficiência institucional, a integridade administrativa e o acesso equitativo à justiça, ao mesmo tempo em que protege a isonomia no tratamento dos credores da Administração Pública.
A decisão também tem caráter protetivo dos direitos fundamentais dos credores vulneráveis, na medida em que assegura a prioridade nos termos da Constituição, sem precarizar ou relativizar garantias institucionais fundamentais ao equilíbrio fiscal e à responsabilidade do Estado.
Conclusão: STF reforça o rigor constitucional no regime de precatórios
O julgamento do RE 1.326.178/SC reafirma que a boa intenção não legitima práticas que contrariam a Constituição Federal. O STF traçou um limite claro: a preferência no pagamento de créditos alimentares a idosos, doentes graves e pessoas com deficiência deve ser respeitada, mas dentro das balizas constitucionais e legais expressamente previstas.
Assim, mesmo diante da sensibilidade social do tema, não há espaço para “atalhos” processuais que acabem comprometendo a ordem jurídica e o equilíbrio das finanças públicas. O caminho para a proteção dos direitos dos credores mais vulneráveis deve passar pela via legislativa, dentro dos parâmetros do Estado de Direito.