STF inclui colégios militares nas cotas de ensino federal

Wagner Constâncio
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Plenário reconstituido 30-01-2023 Crédito para a foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

Em decisão unânime e de grande repercussão social e educacional, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.561/DF, reafirmando a legalidade da inclusão de estudantes egressos de colégios militares no sistema de cotas previsto pela Lei nº 12.711/2012. O julgamento representa um marco na interpretação da política de reserva de vagas em instituições federais de ensino superior e técnico de nível médio, reforçando os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nº 4 (Educação de Qualidade) e nº 10 (Redução das Desigualdades).

Entenda o caso

A ADI 7.561/DF foi proposta sob o argumento de que a inclusão de egressos de colégios militares nas cotas para estudantes oriundos de escolas públicas violaria os princípios da isonomia e da finalidade da política pública. Segundo os proponentes da ação, a qualidade superior do ensino nas escolas militares e o processo seletivo de ingresso comprometeriam a essência do sistema de cotas, criado para beneficiar jovens historicamente marginalizados pela desigualdade de acesso à educação de qualidade.

Contudo, o Plenário do STF entendeu, de forma unânime, que os colégios militares têm natureza jurídica de escolas públicas, ainda que funcionem sob um regime específico. A decisão foi ancorada no entendimento de que essas instituições são criadas, mantidas e administradas pelo Poder Público, com recursos majoritariamente provenientes do orçamento do Ministério da Defesa.

O relator da ação destacou que “a excelência do ensino ou a forma de ingresso não desconfigura o caráter público do colégio”. Dessa forma, excluir esses estudantes da política de cotas com base na suposta superioridade da formação acadêmica significaria distorcer o critério objetivo adotado pelo legislador, que considera a origem escolar (pública ou privada), e não a qualidade do ensino recebido.

Lei de Cotas e seus desdobramentos

A Lei nº 12.711/2012 estabelece que as instituições federais de ensino superior e técnico devem reservar, no mínimo, 50% de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio ou fundamental em escolas públicas. A legislação prevê ainda a divisão dessas vagas entre diferentes grupos, como pessoas com deficiência e autodeclarados pretos, pardos, indígenas e quilombolas, de acordo com os dados do IBGE referentes à composição da população local.

A inclusão de egressos de colégios militares nessa política tem sido debatida desde a promulgação da norma, especialmente devido às características específicas dessas escolas, como o processo de seleção rigoroso e os índices de desempenho acima da média. Apesar disso, a jurisprudência do STF já havia consolidado o entendimento de que esses colégios integram a rede pública de ensino, como estabelecido anteriormente na ADI 5.082.

Com a decisão da Corte, ficou assentado que a qualidade do ensino não pode ser critério excludente na aplicação da política pública. “A distinção entre escolas públicas com melhor ou pior desempenho fere a lógica inclusiva da lei e pode desencadear efeitos perversos, como o desincentivo à busca por melhoria na qualidade do ensino público”, apontou um dos ministros durante o julgamento.

Coerência e efetividade das políticas públicas

Ao reafirmar a constitucionalidade dos dispositivos legais questionados, o STF reforçou a coerência interna da Lei de Cotas. A norma estabelece que todos os candidatos, inclusive os cotistas, devem inicialmente disputar as vagas da ampla concorrência, sendo as cotas aplicadas apenas quando o candidato não atinge a nota necessária para aprovação nesse primeiro momento. Essa estrutura evita distorções e garante que o mérito continue sendo respeitado, dentro de um sistema que busca corrigir desigualdades históricas.

Especialistas em políticas públicas e educação também destacam a relevância da decisão no avanço dos ODS da Agenda 2030 da ONU. O ODS 4 visa garantir educação inclusiva, equitativa e de qualidade, enquanto o ODS 10 busca reduzir as desigualdades dentro dos países. A manutenção da participação dos estudantes de colégios militares no sistema de cotas reafirma a universalidade do direito à inclusão educacional, independentemente de variações internas entre instituições da mesma rede pública.

Repercussão

A decisão repercutiu amplamente entre educadores, gestores públicos, juristas e representantes da sociedade civil. Para a União Nacional dos Estudantes (UNE), a medida representa uma vitória da equidade e da segurança jurídica. “A política de cotas precisa ser clara e objetiva. A exclusão de qualquer grupo com base em critérios subjetivos seria um retrocesso”, afirmou a entidade em nota oficial.

Por outro lado, alguns setores da sociedade ainda expressam preocupação quanto à isonomia na aplicação das cotas, especialmente considerando as diferentes realidades enfrentadas por estudantes da rede pública tradicional em comparação com os colégios militares. No entanto, a Corte foi clara ao afirmar que a meta da lei não é compensar desvantagens acadêmicas específicas, mas sim promover acesso equitativo com base em critérios objetivos.

Caminho à frente

Com a ADI 7.561/DF considerada improcedente, a decisão fortalece a interpretação jurídica de que todas as escolas públicas, inclusive as militares, estão incluídas na Lei de Cotas, consolidando uma jurisprudência que privilegia a inclusão e a igualdade de oportunidades no ensino federal.

A expectativa é de que a decisão contribua para um ambiente de maior segurança normativa, beneficiando os processos seletivos de universidades e institutos federais. Além disso, o julgamento poderá balizar futuras decisões relacionadas à política de cotas e ao reconhecimento da natureza das instituições públicas, mantendo como norte a justiça social e o fortalecimento da educação como instrumento de transformação.


*Com informações do Supremo Tribunal Federal, da Lei nº 12.711/2012, ADI 7.561/DF e da Agenda 2030 da ONU.

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