STF limita ações sobre poupança no plano Collor II a acordo coletivo

Wagner Constâncio
6 minuto(s) de leitura

O Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu uma decisão histórica no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 632.212/SP, encerrado em sessão virtual neste sábado (14), que trata da correção monetária de depósitos em cadernetas de poupança durante o Plano Collor II, implementado no início dos anos 1990. A Corte estabeleceu que apenas os poupadores que aderirem ao acordo coletivo homologado no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 165 terão direito à diferença de correção monetária referente ao período, desde que os valores não tenham sido bloqueados pelo Banco Central do Brasil.

Entenda o caso

A controvérsia gira em torno dos chamados “expurgos inflacionários” sofridos por depósitos em cadernetas de poupança em virtude das alterações nos índices de correção monetária impostas pelo Plano Collor II, lançado em janeiro de 1991. Embora o plano tenha sido criado para conter a hiperinflação, ele gerou impactos diretos no rendimento das poupanças, levando milhares de correntistas a ajuizarem ações contra instituições financeiras, pleiteando a recomposição desses valores.

Durante anos, a matéria tramitou em diversas instâncias do Judiciário até chegar ao STF, que conferiu repercussão geral ao tema — classificado como Tema 285.

Tese fixada e seus desdobramentos

A Corte, de forma unânime, fixou a seguinte tese:

“Considerando que o STF declarou a constitucionalidade do Plano Collor II na ADPF 165, o direito a diferenças de correção monetária de depósitos em cadernetas de poupança, não bloqueados pelo Banco Central do Brasil, por alegados expurgos inflacionários decorrentes de referido plano, dependerá de adesão ao acordo coletivo e seus aditamentos, homologados no âmbito da ADPF 165, no prazo de 24 meses da publicação da ata de julgamento de referida ação.
Com o objetivo de resguardar a segurança jurídica, não caberá ação rescisória ou arguição de inexigibilidade do título com base na constitucionalidade dos Planos Econômicos de processos já transitados em julgado.”

Isso significa que, salvo os processos já definitivamente julgados (transitados em julgado), o acesso à correção monetária das poupanças dependerá da adesão expressa ao acordo coletivo celebrado entre poupadores, instituições financeiras e o Poder Público. Esse acordo e seus aditivos foram validados na ADPF 165, na qual o STF reconheceu a constitucionalidade dos planos econômicos — incluindo o Plano Collor II.

Efeitos e alcance da decisão

Com efeito vinculante e eficácia geral, a decisão do STF impactará diretamente todos os processos em andamento que tratem do tema, uniformizando o entendimento em todo o território nacional e encerrando longas disputas judiciais sobre o assunto. Para garantir a segurança jurídica e a estabilidade das relações processuais, a Corte estabeleceu que a decisão não afetará processos já encerrados com trânsito em julgado.

Além disso, o Plenário determinou a revogação da suspensão de processos relativa ao tema, que havia sido imposta em abril de 2021, e orientou os tribunais de todo o país a comunicarem os juízes sobre a necessidade de intimar os autores das ações para que decidam se desejam aderir ao acordo coletivo. O prazo para adesão é de 24 meses, contados a partir da publicação da ata de julgamento.

Caso o autor da ação não manifeste interesse ou não formalize a adesão dentro do prazo estipulado, os juízes deverão aplicar diretamente o entendimento firmado pelo STF, julgando improcedente o pedido de diferenças de correção monetária.

Jurisdição constitucional consensual e segurança jurídica

A decisão do STF reflete uma atuação cada vez mais presente da Corte no que se convencionou chamar de “jurisdição constitucional consensual”. Ao privilegiar a solução coletiva dos conflitos e a pacificação social por meio de acordos amplos e homologados judicialmente, o Tribunal também reafirma seu compromisso com a estabilidade das instituições e o respeito à coisa julgada.

O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, destacou em seu voto a importância de garantir previsibilidade e uniformidade na aplicação do direito, evitando decisões conflitantes que poderiam gerar insegurança tanto para os poupadores quanto para o sistema financeiro nacional.

Impacto nos direitos fundamentais e na economia

A decisão também teve como pano de fundo importantes princípios constitucionais, como a proteção aos direitos e garantias fundamentais, a preservação da coisa julgada e a atuação do Estado no domínio econômico. O caso está diretamente relacionado ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 16 da ONU, que trata de promover sociedades pacíficas, justas e inclusivas.

Por fim, ao assegurar uma solução definitiva e negociada para um dos maiores litígios da história recente do Judiciário brasileiro, o STF reafirma sua função de guardião da Constituição, mas também de mediador de grandes conflitos coletivos que envolvem milhões de brasileiros.


Processo: RE 632.212/SP
Relator: Ministro Gilmar Mendes
Julgamento encerrado: 14 de junho de 2025 (sessão virtual)
Precedente relevante: AR 2.876 QO (acórdão pendente de publicação)
Tema com repercussão geral: Tema 285

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