STF decide que indicação ao Conselho Fiscal é facultativa

Wagner Constâncio
7 minuto(s) de leitura

Decisão reafirma prerrogativas constitucionais do Tribunal de Contas da União e declara inconstitucional a imposição legal de cessão de auditor ao Conselho de Supervisão do RRF

Brasília, 5 de junho de 2025 — O Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, julgou parcialmente procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.844/DF, para reconhecer a inconstitucionalidade parcial, com interpretação conforme, de dispositivos da Lei Complementar nº 159/2017, que impõem ao Tribunal de Contas da União (TCU) a obrigação de ceder um auditor federal de controle externo para integrar o Conselho de Supervisão do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) dos Estados e do Distrito Federal.

A Corte decidiu que a indicação de auditor pelo TCU para o Conselho de Supervisão tem caráter facultativo, reafirmando os princípios da autonomia e do autogoverno dos Tribunais de Contas, consagrados no texto constitucional. A decisão foi proferida no julgamento virtual encerrado em 23 de maio de 2025, sob relatoria do Ministro Luiz Fux.


Fundamentos constitucionais e institucionais da decisão

A controvérsia girava em torno da interpretação do art. 6º, § 1º, II, e do art. 4º-A, III, da Lei Complementar 159/2017, que determinavam que o TCU deveria indicar, em até 15 dias, um auditor federal de controle externo para compor o Conselho Supervisor do Regime de Recuperação Fiscal, órgão vinculado ao Poder Executivo e responsável pelo acompanhamento dos planos estaduais de ajuste fiscal firmados com a União.

Para o STF, tais dispositivos usurparam competência normativa do TCU e interferiram indevidamente em sua organização interna, violando:

  • A reserva de iniciativa legislativa dos Tribunais de Contas, assegurada por interpretação sistemática do art. 73 da Constituição;
  • A autonomia funcional, administrativa e financeira dessas instituições;
  • O princípio da separação dos Poderes, ao subordinar servidor de órgão de controle externo à estrutura de um Poder diverso.

Segundo o relator, Ministro Luiz Fux, “não é admissível que lei complementar de iniciativa do chefe do Executivo imponha a cessão de servidor do TCU ao Poder Executivo federal”, sobretudo quando o cargo exige dedicação exclusiva e atuação em órgão alheio à estrutura do próprio Tribunal.


Composição do Conselho de Supervisão do RRF e papel do TCU

O Regime de Recuperação Fiscal, instituído pela Lei Complementar 159/2017, destina-se a auxiliar Estados em grave crise fiscal, mediante suspensão temporária do pagamento de dívidas com a União, desde que o ente federativo adote medidas de ajuste de suas contas públicas.

O Conselho de Supervisão é um dos pilares desse regime, sendo responsável por acompanhar, avaliar e fiscalizar a execução do plano de recuperação. Segundo a lei:

  • É composto por três membros titulares e suplentes, com experiência técnica em finanças públicas e gestão fiscal;
  • Um dos membros deve ser indicado pelo TCU, entre auditores federais de controle externo.

Entretanto, com a decisão do STF, essa indicação deixa de ser obrigatória e passa a ser facultativa, a critério do próprio Tribunal, respeitando sua autonomia interna e funcional.


Interpretação conforme e efeitos práticos

Com base em interpretação conforme a Constituição, o STF determinou que:

  1. A indicação do auditor pelo TCU é facultativa, e não compulsória;
  2. O prazo de 15 dias previsto em lei é meramente indicativo, não podendo ser imposto de maneira cogente ao Tribunal;
  3. Essa interpretação se estende ao art. 4º-A, III, também da Lei Complementar 159/2017, por arrastamento lógico e sistemático.

A decisão assegura ao TCU discricionariedade institucional para definir se e quando designará membro para o Conselho, evitando o risco de subordinação funcional indevida, comprometimento da imparcialidade institucional ou desvio de finalidade na requisição de servidores.


Jurisprudência consolidada e separação de poderes

A decisão reforça um entendimento já firmado em diversas ADIs anteriores, em que o STF reconheceu que os Tribunais de Contas — embora não façam parte do Poder Judiciário — exercem função jurisdicional sui generis e, por isso, devem gozar de autonomia organizacional e iniciativa legislativa própria.

Foram citados precedentes como:

  • ADI 4.643 – Competência legislativa exclusiva dos TCs;
  • ADI 6.967 – Limites à requisição de pessoal por outros Poderes;
  • ADI 5.275 – Vedação à transferência de servidor para outro órgão sem concordância institucional.

Esses julgados ilustram a tensão entre o funcionalismo técnico dos órgãos de controle e as pressões interinstitucionais, especialmente em matéria orçamentária e fiscal.


Implicações federativas e para a governança do RRF

A decisão também carrega impactos federativos e orçamentários relevantes, pois o Conselho de Supervisão é peça-chave no monitoramento do cumprimento dos compromissos fiscais assumidos por Estados em regime de recuperação.

Ao permitir que o TCU exerça sua liberdade institucional para decidir sobre a participação no Conselho, o STF não compromete a governança do RRF, mas impõe ao Executivo a responsabilidade de construir consensos interinstitucionais, em vez de impor obrigações unilaterais por lei.

Além disso, essa interpretação protege o perfil técnico e autônomo dos auditores de controle externo, cuja imparcialidade é essencial para a credibilidade dos relatórios e pareceres emitidos sobre o cumprimento dos planos fiscais.


Conclusão: respeito à autonomia dos Tribunais de Contas fortalece o controle institucional

A decisão do STF na ADI 6.844/DF marca mais um capítulo na consolidação da jurisprudência que reafirma a independência dos órgãos de controle externo, em especial do Tribunal de Contas da União, diante de tentativas normativas de ingerência institucional por parte do Executivo.

Essa linha decisória reforça a interpretação de que o controle público deve ser exercido com independência técnica e institucional, condição essencial para a proteção do erário, da legalidade administrativa e do próprio Estado Democrático de Direito, em consonância com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 16 da Agenda 2030 da ONU — “Paz, Justiça e Instituições Eficazes”.

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