O Amor silencioso: Por que quem ama de verdade não precisa estar perto para estar junto

Wagner Constâncio
4 minuto(s) de leitura

O amor à distância pode parecer, à primeira vista, um paradoxo. Como sustentar um sentimento tão intenso sem a presença constante, o toque ou o convívio cotidiano? Ainda assim, há amores que sobrevivem — e até amadurecem — na ausência. Este artigo propõe uma reflexão filosófica sobre como esse amor silencioso e distante pode ser não apenas real, mas profundo e ético, ancorado em liberdade, cuidado e presença interior.


A presença que não se vê

Maurice Merleau-Ponty, em sua fenomenologia, nos lembra que somos corpo e presença. Mas mesmo longe dos olhos, o outro pode continuar presente dentro de nós — por meio da memória, da linguagem e da intenção. O amor verdadeiro não desaparece com a distância; ele se transforma.

Emmanuel Levinas reforça essa ideia ao dizer que o rosto do outro — mesmo ausente — continua sendo um chamado ético. Amar, então, é seguir respondendo a esse chamado com fidelidade, mesmo quando não há ninguém fisicamente diante de nós.


O amor como escolha livre

Jean-Paul Sartre escreveu que amar é “querer ser amado por alguém que se escolheu livremente”. No amor à distância, não há rotina para sustentar o laço. O que mantém a conexão é a escolha contínua, dia após dia, de permanecer.

Simone de Beauvoir também aponta que só há amor verdadeiro entre dois sujeitos livres. Não se trata de posse ou dependência, mas de acolher o outro como ele é — inclusive em seu jeito silencioso de amar. E isso requer maturidade.


Cuidar sem cobrar

O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, em A Agonia do Eros, lamenta como o amor hoje está esvaziado pela pressa, pelo excesso de exposição e pela carência de profundidade. Em contraste, o amor à distância exige tempo, paciência e um cuidado que não se exibe, mas se vive.

Martin Buber, com sua filosofia do “Eu-Tu”, ensina que o amor genuíno reconhece o outro como um ser inteiro, não como um objeto de desejo. Amar alguém distante, sem querer moldá-lo, sem exigir presença constante, é aceitar esse outro como ele é — e isso é raro.


Conclusão

O amor à distância não é um amor menor. Pelo contrário: ele é um amor que se purifica da pressa, da posse e do espetáculo. É um amor que confia, que cuida em silêncio, que escolhe ficar mesmo quando tudo seria mais fácil se desistisse.

Se o amor resiste à ausência, é porque encontrou raízes mais profundas do que o desejo: encontrou alicerce na liberdade, na escuta e na decisão ética de permanecer.


Referências Bibliográficas

  • Beauvoir, Simone de. O Segundo Sexo. São Paulo: Nova Fronteira, 2009.
  • Buber, Martin. Eu e Tu. São Paulo: Centauro, 2001.
  • Han, Byung-Chul. A Agonia do Eros. Petrópolis: Vozes, 2017.
  • Levinas, Emmanuel. Ética e Infinito. Lisboa: Instituto Piaget, 1993.
  • Merleau-Ponty, Maurice. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
  • Sartre, Jean-Paul. O Ser e o Nada. Petrópolis: Vozes, 1995.
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