Entre a retórica e a destruição: Israel, Irã e o dever global de evitar o colapso

Wagner Constâncio
5 minuto(s) de leitura

A recente carta enviada pelo ministro das Relações Exteriores de Israel, Gideon Sa’ar, ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, afirmando que o Irã possui um “plano estratégico para eliminar Israel”, não é apenas uma denúncia alarmante — é um sinal claro de que estamos perigosamente próximos de um novo ponto de ruptura no Oriente Médio. Mais do que uma troca de acusações ou demonstrações de força, essa comunicação oficial escancara uma escalada que ameaça sair do controle.

Segundo o ministro, o ataque israelense contra o Irã teria sido uma “medida de último recurso”, motivado por avanços críticos no programa de armas nucleares iraniano e pela ameaça iminente de novos ataques. Em resposta, autoridades iranianas já advertiram que revidarão de forma “firme” caso os Estados Unidos — tradicionalmente aliados de Israel — se envolvam militarmente. É um jogo perigoso de provocações, em que qualquer movimento mal calculado pode desencadear uma guerra aberta, de proporções imprevisíveis.

Quando um líder político afirma que um país vizinho tem um plano de extermínio contra seu povo, há um peso ético e diplomático imenso nessas palavras. Israel, compreensivelmente, vive sob o trauma histórico do Holocausto e tem razões reais para temer qualquer ameaça de destruição. Mas é preciso cuidado com o uso da retórica do “extermínio” em um cenário já inflamado. Expressões como essas, quando usadas por representantes de Estado, legitimam ações militares pré-emptivas e tendem a fechar as portas para a diplomacia.

Do outro lado, o Irã também adota um discurso ideológico e provocador contra Israel há décadas, alimentando o clima de hostilidade. Sua relação com grupos armados como o Hezbollah, além do avanço em tecnologia nuclear e de mísseis, contribui para aumentar a tensão. A comunidade internacional, especialmente potências como os EUA, Rússia e China, têm a responsabilidade de reconhecer que não se trata apenas de um conflito bilateral — trata-se de um desequilíbrio que pode desestabilizar toda a região e além dela.

O Conselho de Segurança da ONU, a quem a carta israelense foi endereçada, precisa urgentemente rever seu papel. A organização, que deveria atuar como moderadora global, frequentemente se mostra paralisada por disputas internas entre seus membros permanentes. A consequência disso é a repetição de um ciclo onde a violência só é contida depois que já fez vítimas demais — como vimos na Síria, no Iêmen e, anteriormente, no Iraque.

Se a ONU e outras instâncias multilaterais não assumirem uma postura ativa de mediação, restarão apenas os caminhos militares, com consequências potencialmente catastróficas. Um conflito entre Israel e Irã não se limitaria a esses dois países. Envolveria milícias aliadas, populações civis vulneráveis e alianças militares que poderiam transformar um confronto regional em uma guerra internacional.

Israel e Irã representam civilizações milenares com histórias ricas e complexas. Nenhum dos dois países — nem seus povos — se beneficiaria de um confronto total. Ao contrário do que muitas vezes se afirma, israelenses e iranianos não são inimigos naturais. A hostilidade atual é produto de escolhas políticas, ideológicas e estratégicas que ainda podem ser revertidas.

É imperativo que se construa um canal real de diálogo, mesmo que indireto, mesmo que sob mediação. O mundo já testemunhou, nos últimos anos, os limites da diplomacia reativa. Agora, mais do que nunca, é hora de investir em diplomacia preventiva — aquela que atua antes do primeiro míssil ser lançado.

Por fim, é necessário refletir: a quem interessa essa escalada? Certamente não aos cidadãos comuns do Irã, de Israel ou dos países vizinhos, que são os primeiros a pagar o preço da guerra com suas vidas, casas e esperanças. Os únicos beneficiados com a perpetuação do conflito são aqueles que lucram com a instabilidade — sejam regimes autoritários, sejam mercados de armas.

O futuro da região depende da capacidade de seus líderes, e da comunidade internacional, de pensar além do imediatismo militar. Mais do que planos de eliminação, o que o Oriente Médio precisa é de um plano estratégico para a coexistência. Isso exige coragem política, maturidade diplomática e, acima de tudo, um compromisso real com a paz.

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